segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Paulo Vanzolini, o ótimo mau cantor

De memória prodigiosa, capaz de cantar de cor a infinda letra de Alberto, Paulo Vanzolini, sempre que chamado a cantar, se desculpa e logo devolve o microfone aos cantores, “chega de amador, melhor deixar com os profissionais”.
Enérgico, provavelmente não concordaria com uma única sílaba do aqui escrito, mas é ótimo exemplo do curioso fenômeno que faz, dos compositores da música popular, cantores tão saborosos.
A classificação de compositor costuma tirar a carteirinha de cantor de grandes nomes dos discos, inclusive os de excelente material vocal como Caetano Veloso, João Bosco, João Nogueira, Luis Melodia e Paulinho da Viola, no Brasil, e, fora daqui, Tom Waits, Paul McCartney e tantos outros.
Com certeza, na MPB, os discos que mais ouço são os dos compositores. E os que menos envelhecem.
disseram que isso é consequência da compreensão que o autor tem da própria obra, que o faria tratá-la com maior intimidade que outros que dela se aproximassem. Não busco razões para explicar as coisas da arte, elas são sempre muito insuficientes, mas essa afirmação corresponderia a dizer que somente os pais compreendem bem os filhos.
E, ainda que se acredite que a proximidade da criação da música incremente intimidade da voz às voltas com as notas musicais, essa tese não explica por que Nervos de Aço, do Lupcínio, quase que pertence ao Paulinho da Viola; “O Gago Apaixonado”, do Noel, ao João Bosco; ou as hispano-americanas do Fina Estampa”, ao Caetano Veloso, para ficar apenas nos exemplos das grandes vozes que também compõem.
Em resumo, os compositores brasileiros são ótimos intérpretes também das músicas compostas por outros.
Também os de vozes menos afortunadas não fogem a esta regra. Sem Compromisso, do Geraldo Pereira, parece feita para a voz do Chico, que ainda lhe criou uma irmã, menorzinha, mas linda, “Deixe a menina
E não é diferente no caso do Vanzolini. Não tenho informações de que tenha cantado músicas de outros, mas é ótimo intérprete das suas próprias. E elas precisam de intérpretes de peso, porque suas letras não são pra qualquer um.
Um bom exemplo é sua interpretação da bem-humorada Amor de Trapo e Farrapo (*). É amor de “Injuriado” (**), amor entre tapas e beijos.
A peleja amorosa vai se desenvolvendo, deságua no amor ciúme fogo nos olhos / beijo fogo na boca e, nesse ponto, o Paulo nos manda uma interpretação bem temperada e engrandecedora, no disco “Paulo Vanzolini por ele mesmo”, de 1981:
“e o coração,
incêndio pleeeeeno
amor sereeeeno
amor pirraaaaça
amor veneeeeno
amor cachaaaça”

Seu modo de cantar funciona como o de um professor que enumera as formas insanas desse amor passional. Muito diferente das interpretações de outros cantores (e mesmo da do coro que o sucede nessa versão) essa passagem de “e o coração para incêndio pleeeeeno” como que diz: “o que se há de fazer? o coração é o que é! é todo esse rol com que a gente tem que se deliciar e conformar”.
Sem falar que “pleeeeeno” com “e” comprido fica mais pleno.
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(*) Amor de trapo e farrapo / Todo errado, mas tão gostoso / De dar arrepio na espinha / Amor de galo de rinha / Amor de arranca-toco / Amor de louco contra louca / Ciúme, fogo nos olhos / Beijo, fogo na boca
E o coração, / Incêndio pleno / Amor sereno/ Amor pirraça / Amor veneno / Amor cachaça
Amor debaixo dágua / Amor no meio dos infernos / Amor de meter susto ao padre eterno / E ja se vê / Só pode ser amor de eu e você 

(**) “Injuriado” – Chico Buarque

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